07 junho, 2015

Tintim: A amizade como arma e escudo - Parte 2

Na primeira parte, a leitora Carmem Toledo apresentou o início de sua paixão por Tintim, a influência do repórter em sua vida e o questionamento: Tintim é um herói? Neste segunda parte, Carmem se propõe a discutir alguns aspectos da personalidade de Tintim em sua jornada pelos álbuns de Hergé. Convidamos você a desfrutar desta interessante leitura.

Tintim - o “bom moço”

          Tintim é um rapaz educado, responsável, cavalheiro, ético e, acima de tudo, de bom coração. Sempre tenta orientar os amigos e conhecidos, para que não cometam erros. Bons exemplos disso são os momentos em que o repórter pede que Capitão Haddock não ingira bebidas alcoólicas – o que acontece desde que ambos se conheceram, quando o jovem repórter fez seu novo amigo prometer que não beberá mais. Tintim é o exemplo de “bom rapaz”: humilde, simples, pacífico e ponderado, que nada deseja além da justiça e de ver seus amigos sãos e salvos.

O Caranguejo das Tenazes de Ouro, páginas 16 e 33. Record, 1970.
          Apesar de ser bastante racional, Tintim demonstra seus sentimentos e não hesita em chorar quando se sente triste ou positivamente emocionado. Em “O Lótus Azul” e “Tintim no Tibete”, isso é visto em vários quadrinhos, nos momentos em que o herói precisa se despedir de seu amigo Chang e quando recebe a notícia sobre a queda do avião em que seu jovem amigo chinês viajava.

          Em nenhum momento é mencionada qualquer informação sobre sua família. Nem mesmo seu sobrenome é conhecido. Em princípio, Tintim parece ser um jovem solitário, que vive apenas com seu cão de estimação, Milu.

          Aparentemente, a solidão do herói não é algo importante na trama, mas poderíamos pensar a respeito de um possível efeito emocional disso na vida do rapaz, se recorrermos a alguns quadrinhos em que este demonstra sofrimento ao precisar se despedir de um amigo. Por outro lado, esses momentos de tristeza poderiam ser pensados como provas de sua humanidade – principalmente se refletirmos mais um pouco sobre o perigo de atribuirmos, em um breve e simples estudo como este, problemas ocultos no perfil psicológico dos personagens. É importante que fique claro que a intenção deste texto não é descobrir as intenções de Hergé por trás de sua criação, mas, ao contrário, analisá-la e aplicá-la, na medida do possível, aos valores da vida real.

          A humanidade do personagem, portanto, pode ser considerada uma via para que se questione o efeito da solidão em sua vida. As duas últimas obras supracitadas, inclusive, exploram bastante esse tema, não somente do ponto de vista dos laços existentes o protagonista e o menino chinês, mas em todas as vezes em que Capitão Haddock, prestes a abandonar a missão de busca a Chang, arrepende-se e retorna para ajudar seu amigo Tintim, chegando até mesmo a tentar cortar a corda e se sacrificar quando ambos correm perigo, pendurados na montanha.

Não se pode esquecer também da compaixão de Chang pelo Iéti, que se apegara ao garoto oriental, ao resgatá-lo entre os destroços do avião. A última fala do menino é deveras importante:
“Quer saber? Espero que nunca o encontrem, porque o tratariam como uma fera. E posso garantir, Tintim: ele agiu comigo de tal maneira, que às vezes eu me perguntava se não era um ser humano...” - Tintim no Tibete, pp. 62.
          Chang pode ser interpretado, ao meu ver, como a exposição filosófica da conduta de Tintim. Ele traduz os valores de amizade, fidelidade e compaixão em palavras. O menino parece ser a inspiração moral do repórter.

          De fato, analisando a vida de seu criador, constatamos que o personagem chinês foi inspirado em um amigo real de Hergé, chamado Zhang Chongren, que lhe apresentou aos ideogramas chineses e lhe ensinou a prestar mais atenção à natureza, valorizando a história de uma árvore, por exemplo. Foi Zhang que fez de Hergé um criador de histórias em quadrinhos, ao invés de um mero ilustrador. Portanto, Chang pode ser considerada a consciência de Tintim, a parte de sua racionalidade transformada em poesia.
Desenho de Carmem Toledo, em homenagem a Tintim e Mafalda.
Que dizer dos companheiros de aventuras de Tintim? Milu, o Capitão Haddock, o Prof. Girassol... como eles completam o universo do repórter? Na próxima postagem, nossa leitora (e escritora) continua sua análise da amizade de Tintim como arma e escudo.
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