07 julho, 2010

Tintim no Congo


Depois de retornar da Rússia soviética em 8 de maio de 1930, o mais novo repórter do Le Petit Vingtième foi aclamado por uma multidão em Bruxelas, Bélgica. Entre jovens e adultos, os fãs do pequeno aventureiro mal podiam esperar por sua próxima aventura. E não demorou para Tintim voltar a explorar terras estrangeiras. Sua próxima viagem começaria em junho de 1930, e se estenderia até junho de 1931, em publicações semanais no Le Petit Vingtième. Assim surgia Tintim no Congo, a obra mais polêmica de Hergé.


Sinopse - contém spoilers

Tintim e Milu partem para a África a fim de realizar mais uma reportagem para o jornal Le Petit Vingtième. Os problemas já começam à bordo do navio, onde Milu troca farpas com um papagaio e encontra um passageiro clandestino. Porém, tais acidentes não impedem que os dois chegem ao seu destino, o Congo Belga, uma colônia africana rica em diamantes.


Em solo africano, o repórter e seu fiel fox-terrier são recepcionados por uma multidão de congoleses, que já conhecem sua fama internacional. Antes de começar sua aventura pelas selvas africanas, Tintim contrata Coquinho, um pequeno congolês que lhe serve como guia. Depois de caçar, enfrentar animais selvagens e interagir com os nativos, o rapaz é levado para a aldeia dos bakanas. Lá, o rei designa Tintim a participar da caça ao leão, mas é Milu quem vence o felino, arrancando-lhe um pedaço da cauda.


Enquanto a popularidade de Tintim cresce entre os nativos, Muganga, o feiticeiro da tribo, sente inveja, e por isso se junta ao criminoso Tom, o mesmo que viajava clandestinamente no navio, para dar um fim em Tintim. Sempre contando com a ajuda de Coquinho e Milu, o jovem repórter escapa de qualquer armadilha, e faz o povo saber a verdade sobre os bandidos. Nomeado novo chefe dos bakanas, Tintim resolve problemas e é aclamado pelo povo.


Depois de ser salvo por um missionário católico, Tintim dá aulas a meninos congoleses, que não sabem quanto é dois mais dois! Ele ainda volta a enfrentar outros animais ferozes, como um leopardo e um elefante, até chegar ao confronto final com Tom. Depois de descobrir quem está querendo lhe matar, o repórter é levado de volta para a Europa, e fica sabendo seu próximo destino: Chicago, EUA. Sem saber o que aconteceu com Tintim e Milu, os nativos choram a sua perda, imaginando - coitados - se os outros europeus serão iguais a ele... Clique aqui para ver o final na edição original.


Histórico

Depois do sucesso de Tintim no País dos Sovietes, não havia um caminho que não levasse Hergé a uma nova aventura de Tintim. E ele já planejava voos mais altos: levar o repórter aos Estados Unidos da América, para explorar o então popularíssimo Velho Oeste. Porém, influenciado pelo abade Norbert Wallez, diretor do semanário Le Vingtième Sciècle, o jovem cartunista começou a elaborar uma história em que o personagem apresentaria à juventude belga os valores do colonialismo.

A publicação da aventura de Tintim no país africano começou em 1930, quando o Congo ainda era uma colônia da Bélgica. Entre 1885 e 1907, o rei Leopoldo II explorou até o limite as riquezas naturais do território que, ironicamente, havia batizado como o Estado Livre do Congo. A extração da borracha resultou no extermínio de metade dos 20 milhões de congoleses existentes. Aquela ação desumana chamou a atenção do Parlamento da Bélgica e de outras nações civilizadas, que foram obrigados a intervir. Depois de mais de duas décadas de opressão, o país se viu livre do domínio do terrível monarca, mas continuou sob a tutela do governo belga. Só há 50 anos o Congo Belga teve sua liberdade de fato declarada, tornando-se o que é até hoje, a República Democrática do Congo.

Como nunca havia saído de sua terra natal, Hergé foi em busca de referências para retratar o Congo Belga. As principais bases conhecidas para o desenvolvimento do álbum foram os arquivos do Museu Colonial de Tervueren e o livro "Les silences du colonel Bramble", romance de sucesso de André Maurois, do qual ele reproduziu toda uma cena de caça (ver as páginas 15 e 16 do álbum). Contudo, assim como acontecera no álbum anterior (e voltaria a acontecer no seguinte), as fontes utilizadas por Hergé não foram as melhores, e o resultado foi uma visão bastante estereotipada do povo africano.

No ano de estreia da história, a colônia belga na África continuava sendo explorada. Oitenta vezes maior que o país que o colonizava, o Congo tinha um subsolo extremamente rico. Nessa época, faltava mão-de-obra. Hergé, portanto, devia fazer uma propaganda deste país. O trabalho de propaganda, no entanto, não se restringia ao colonialismo. Especificamente na metade final do álbum, o que se vê é um enaltecimento do serviço missionário. A figura do católico que cuida dos colonos e se preocupa com o bem do próximo é reforçada quando o padre salva a vida do repórter duas vezes, sem ser atrapalhado pela idade ou pela batina. Com isso, criou-se um retrato favorável às ideias colonialistas da Bélgica: o inocente povo africano precisa ser "salvo" pelos sábios europeus.

O próprio Hergé confirmou o erro que cometera. Em entrevista concedida pouco antes de sua morte, o autor disse: "Da mesma maneira quando desenhei Tintim no País dos Sovietes, ao desenhar Tintim no Congo eu estava alimentado de preconceitos do meio burguês no qual vivia... Era 1930. Conhecia deste país apenas o que as pessoas contavam na época: 'os negros são grandes crianças, felizmente estamos lá!', etc. E desenhei os africanos de acordo com estes critérios, de puro espírito paternalista, que era o da época na Bélgica".

Curiosamente, "Tintim no Congo" é o álbum mais popular e apreciado do personagem na África.

Publicações

A história foi publicada em páginas semanais de 5 de junho de 1930 a 11 de junho de 1931, no Le Petit Vingtième, suplemento info-juvenil do jornal Le Vingtième Siècle. Em 1931, foi publicada pela primeira vez como álbum em preto-e-branco. Com 120 páginas, o volume foi editado primeiramente pelas Editions du Petit Vingtième. Em 1937, uma nova edição, ainda em preto-e-branco, chegou às livrarias. Lançada pela Casterman, que a partir dali passou a publicar os álbuns de Tintim com exclusividade, a edição suprimiu qualquer referência ao Petit XXeme.

Em 1946, Hergé publicou, também pela Casterman, uma nova versão do álbum, agora totalmente redesenhada. Foi a primeira edição colorida, onde o autor reduziu de mais de 100 para 62 páginas, um padrão que se manteve nos álbuns a seguir. As modificações incluíram a melhora dos cenários, o corte de algumas partes e alteração de diálogos para torná-los mais vivos. Foi o máximo que Hergé conseguiu fazer para tentar diminuir a ideologia colonialista sem alterar a história por completo.

Mas, as polêmicas ao redor do álbum começaram cedo. Isso fez com que a publicação em francês fosse interrompida em finais dos anos 1950, e o livro passou mais de dez anos "enclausurado". Em uma carta datada de 26 de junho de 1963, Hergé implorava ao seu editor pela republicação do álbum, ao menos na Europa. Ele alegava que seus personagens eram "negros de fantasia", uma caricatura, assim como todos os personagens de sua extensa obra. Seu clamor não foi imediatamente atendido, mas ganhou a atenção dos fãs, incluindo jovens leitores africanos.

Ironicamente, a iniciativa para o retorno da publicação de "Tintim no Congo" partiu de uma revista do próprio Congo (àquela altura já independente, chamado Zaire). Em dezembro de 1969, o número 73 da revista Zaire fez diversos elogios à obra, estimulando sua republicação no mundo todo. O artigo defendia que, "se algumas caricaturas do povo congolês em Tintim no Congo fazem rir os brancos, eles fazem rir abertamente os congoleses, porque os congoleses encontram razões para isso na forma como o homem branco os via".

As diferentes versões de "Tintim no Congo"
Após ter sido publicado em várias partes do mundo, o álbum chegou à Escandinávia em 1970. Mas a cena da explosão de um rinoceronte chocou tanto a editora Egmont que eles pediram a Hergé que fizesse uma versão menos violenta do encontro com o animal. Esta versão da página 56 - veja a comparação abaixo - é a que está presente nas edições mais atuais do álbum, incluindo a que foi lançada no Brasil em 2008 pela Cia das Letras.


Curiosidades


:: Apesar de o Congo Belga ter sido declarado independente apenas em 1960, logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, Hergé fez uma revisão do ábum, considerando que continha uma visão demasiadamente “colonialista e paternalista”. Uma das modificações mais notáveis aconteceu na cena que hoje aparece na página 36 do álbum: enquanto na edição revisada Tintim dá aula de matemática a meninos congoleses, na primeira edição, em preto-e-branco, a aula é de geografia e, apontando para um mapa desenhado no quadro-negro, o repórter declara: "Hoje vou lhes falar sobre vossa pátria: a Bélgica".


:: Quando foi publicada pela primeira vez em Portugal, na revista O Papagaio, a história foi batizada de "Tim-Tim em Angola". A versão portuguesa da aventura mostrava “Tim-Tim” como um repórter lusitano, ao invés de belga, visitando não o Congo, mas a então colônia portuguesa de Angola. Nesta versão, Milu foi rebatizado como Rom-Rom, e apresentado como uma fêmea de pelo amarelo.


:: Na versão mais recente do álbum, os Dupondt fazem uma breve aparição no primeiro quadrinho. Mas a verdadeira estreia dos detetives não foi em "Tintim no Congo". Na versão em preto-e-branco, são outros personagens que aparecem observando o embarque de Tintim.


:: Além de Dupond e Dupont, no primeiro quadrinho da página 1 aparem também Quim e Filipe (personagens de Hergé), Edgar P. Jacobs e Jacques Van Melkebeke (colaboradores de Hergé), além do próprio Georges Remi.

:: Menos de um mês depois do fim da publicação de "Tintim no Congo", o Le Petit Vingtième organizou um evento semelhante ao ocorrido com o fim de "Tintim no País dos Sovietes". Em 9 de julho de 1931, um garoto (Henri Dendoncker) e um fox-terrier, acompanhados de dez congoleses, representaram Tintim e Milu no retorno à Bélgica. Uma multidão esteve presente à Gare du Nord, incluindo o próprio Hergé e dois meninos trajados como Quim e Filipe.

:: Apesar de não aparecer escrevendo nenhum artigo, neste álbum Tintim exerce a função de repórter. Entre seus instrumentos de trabalho está um fonógrafo e uma câmera filmadora, que lhe servirão para gravar um documentário.

:: Esta foi só a primeira parte do especial. Mas ainda tem mais! Confira aqui.

Veja também outros especiais:
Tintim na América
Especial Os Charutos do Faraó
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7 comentários:

  1. Nossa, eu amava Tintin. Gostava dele e da Tina.
    Comprei a revistinha dela essa semana, já viu? Ta linda.
    Comprei tbm as revistinhas da Turma da Monica Jovem, com cara de mangá, sabe?!
    Adoro!!!!! ♥
    Beijinhos

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  2. Muito bacana. E legal saber que o próprio Hergé soube admitir seus erros. Acho que com isso não restam dúvidas: Tintim no Congo tem conteúdo colonialista, o que não necessariamente quer dizer racista!
    Obrigado e até amanhã...

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    1. Sim era racista, e a representação dos negros é extremamente negativa.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Puxa vida, Britto! Em minha opinião, este post especial é um dos melhores da história do blog "As Aventuras de Tintim". Excelente é a palavra!

    Li tudo com bastante calma, pois quero me informar bem sobre esse álbum tão polêmico de Hergé, que até já gerou uma "pequena discussão" aqui no seu blog, como você deve ter percebido. rsrsr

    Gostei muito de saber mais acerca da sinopse de "Tintim no Congo" e fiquei surpreso ao descobrir que o álbum é o mais popular e apreciado do personagem na África. Essa eu não imaginava, já que ele é cercado de tantas controvérsias...

    Além disso, as mudanças e alterações com o passar do tempo são muito interessantes, especialmente a da aula e a das modificações realizadas em Portugal. Muito bacana!

    Parabéns! Já estou super ansioso pela 2ª parte!
    Abraço.

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  5. As edições feitas em Portugal me surpreenderam . Lembrou-me as feitas pela Editora Abril pra dar a impressão que Patópolis fica no Brasil .

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