11 junho, 2015

Moulinsart perde processo sobre direitos de Tintim

Um acontecimento surpreendente virou o assunto mais comentado pela comunidade tintinófila internacional. A Moulinsart S.A., sociedade que gere os direitos sobre a obra de Hergé, perdeu um processo envolvendo os direitos dos álbuns de Tintim na corte holandesa. Um fã-clube local apresentou um documento comprovando que Hergé teria cedido os direitos de sua obra à editora Casterman. Logo, a Moulinsart não seria capaz de proibir, muito menos cobrar pela reprodução de quadrinhos dos álbuns do quadrinista belga.

Entenda tudo sobre o caso a seguir e, mais abaixo, saiba qual a posição da Moulinsart sobre o assunto.

O processo

Em 2012, a Moulinsart entrou com uma ação contra a Association Hergé Genootschap, um clube holandês com 680 fãs do criador de Tintim, fundado em 1999. O fã-clube publica uma revista sem fins lucrativos, a Duizend Boomen (Mil Raios, em livre adaptação), com artigos sobre a obra de Hergé e, naturalmente, reproduções de seus quadrinhos. O argumento da empresa liderada por Nick Rodwell, marido da viúva de Hergé, é que o clube não teria direito de reproduzir tiras dos álbuns de Tintim, a menos que pagasse uma significativa quantia - algo em torno de um milhão de euros.

Esta semana, a decisão do tribunal de recurso de Haia surpreendeu a todos. Diferentemente do que vem acontecendo há anos - mais precisamente desde 2009, quando a Moulinsart começou a cobrar por qualquer reprodução de cenas dos álbuns -, a sociedade perdeu a causa. O documento apresentado pela defesa do fã-clube holandês foi assinado por Hergé em 1942, e deixa claro que os direitos sobre os trabalhos do autor pertencem à editora Casterman, que tem publicado os álbuns de Tintim desde a década de 1930. A veracidade do contrato, que foi entregue por um perito na obra que prefere manter-se anônimo, jamais foi questionada pelas partes, dando a entender que a informação realmente procede.

A Moulinsart já se pronunciou sobre o assunto, como pode ser visto no final do artigo.

A opinião de quem entende

Numa Sadoul, autor do livro Tintin et moi. Entretiens avec Hergé (1975), falou sobre as consequências do caso ao francês Le Figaro: "Isto significa que agora é Casterman que irá gerir os direitos de Tintim. Isso vai mudar completamente o jogo e melhorar significativamente as relações dos jornais, fanzines e editoras com Tintim", acredita ele. "Mas não podemos esperar liberdade absoluta e fazer o que quisermos com os personagens", explica o escritor.

Didier Pasamonik, chefe de redação do site especializado ActuaBD, disse ao mesmo jornal: “No que se refere esta decisão, é sobre citações de imagens de Hergé numa revista de fãs. Na França, o direito de citar uma imagem não existe. No entanto, na Holanda, há”. E sugeriu: "que tal uma harmonização europeia?"

Bob Garcia, autor de Hergé, las sources de l'oeuvre (2008), declarou: "O que me surpreendeu no julgamento é que o documento não foi contrariado pela Moulinsart. Se é legítimo, é uma coisa boa, porque é mais fácil falar com o pessoal da Casterman do que da Moulinsart". Garcia, que já perdeu um processo contra a empresa (saiba mais), duvida que a decisão do tribunal encorajará alguém a lutar contra a Moulinsart nos tribunais."Não sei se vai mudar grande coisa para a publicação de livros", disse. E concluiu: É uma boa notícia. Pelo menos para a Holanda".

Benoit Peeters, autor de Monde d'Hergé (2004), acredita que "devemos aproveitar essa decisão para recobrar o bom senso". Segundo ele, é perfeitamente normal que os detentores da obra a protejam do uso comercial, mas reconhece que a citação em publicações impressas é diferente. "O julgamento em Haia poderia ser uma oportunidade de uma posição mais flexível e aberta [da Moulinsart]. Eu buscaria uma solução equilibrada entre os interesses da defesa e da imagem de Hergé e a necessidade de liberdade de informar, comemorar ou criticar".

É claro que a decisão do tribunal holandês não se estende a outros países, mas pode abrir o precedente para que outras associações de fãs reivindiquem o que já foi pago à Moulinsart e, daqui para a frente, questionem se precisam mesmo pagar algo à sociedade administradora de Tintim pelo uso da imagem dos álbuns.

A minha opinião, não que eu entenda de direito, é que isso não deve mudar muita coisa. Digo isso porque a relação entre a Casterman e a Moulinsart já foi ruim, mas melhorou desde que a editora foi comprada pelo grupo Gallimard. Ou seja, mesmo que a Casterman tenha direito sobre a obra de Hergé, as empresas são parceiras, e devem cooperar uma com a outra. Prova disso é o comunicado divulgado nesta quarta, 10 de junho (leia mais abaixo), onde fica claro que os interesses são os mesmos.

Nick Rodwell (Moulinsart) e Charlotte Gallimard (Casterman).

A Moulinsart se defende

Não foi preciso aguardar muito. A sociedade liderada por Nick Rodwell divulgou um comunicado à imprensa emitido em conjunto com a Casterman. "A Moulisart S.A. pretende buscar todos os recursos que a lei holandesa abre", diz o comunicado. "O tribunal parece ter feito uma confusão total entre os direitos de Tintim, detidos, respectivamente, pela Moulinsart S.A. e Editions Casterman", alegam as empresas. "Hergé concedeu à Casterman os direitos de publicação em todos os idiomas e para o mundo inteiro dos álbuns de papel de 'As Aventuras de Tintim'", reconhece o comunicado. Mas, acrescenta, "todos os outros direitos de propriedade permaneceram com Hergé, incluindo os quadrinhos e outros desenhos dos álbuns explorados separadamente. Em consequência (...), somente a Moulinsart S.A. pode explorar ou autorizar a reprodução dos desenhos e quadrinhos mostrando Tintim e todos os personagens do mundo de Hergé".

Alain Berenboom, advogado da Moulinsart, declarou que a empresa buscará o Supremo Tribunal dos Países Baixos para recorrer da decisão.

Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.

Referências:

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