31 janeiro, 2012

"As Aventuras de Tintim" por David Ribeiro

Técnica impecável, roteiro com alguns problemas...

Finalmente chega ao Brasil, com meses de atraso, o aguardado ‘As aventuras de Tintim’. Baseado nos álbuns do cartunista belga Hergé “O Caranguejo das Tenazes de Ouro” e “O Segredo do Licorne”, esta adaptação cinematográfica é um dos filmes mais esperados pelos fãs do herói europeu, assim como do próprio diretor Steven Spielberg, que há quase 30 anos tenta trazer o jovem Tintim e seu cãozinho Milu para as telonas. E finalmente ele conseguiu, com um resultado, no mínimo, divertido.


O quadrinho “As Aventuras de Tintim” narra as emocionantes histórias de um jovem jornalista pelo mundo, ao lado de seus amigos e seu inseparável cachorro Milu. Há alguns anos, após achar o momento certo para dar vida a estes personagens (ao se juntar com o prodígio Peter Jackson), Spielberg divulgou que usaria a técnica de ‘Motion Capture’ para o longa metragem ao invés de filmar pessoas reais. Isto fez com que muitas pessoas ficassem preocupadas com o ‘Uncanny Valley’, ou ‘O vale das estranhezas’ que é aquela sensação estranha de ver algo que tente imitar o real na tela,  algo que uma animação deste tipo pode causar em todos que a assistam. Mas aqui, a coisa finalmente toma um rumo certo. A sensação de estranheza é zero. Preciso afirmar – e tenho certeza que muitos irão concordar - que a técnica utilizada para Tintim, não somente é correta, pois ajuda a figurar melhor os traços dos personagens em relação ao material original, como também é exata e simplesmente impecável. Este é o melhor trabalho em ‘Motion Capture’ já realizado na história do cinema. A movimentação dos personagens é natural, elegante, não força a barra e a computação gráfica se torna uma simples máscara, o que permite que enxerguemos o trabalho dos atores por trás disso, como suas expressões e minúcias criativas. Devo admitir que o grande triunfo do filme foi o que antes era um grande temor: A parte técnica. Tintim é realmente, como anunciado nos trailers, ‘uma produção revolucionária’. E isso, claro se deve à performance dos atores e ao excelente trabalho gráfico do pessoal da Weta. Isto torna “As Aventuras de Tintim”, no mínimo, um filme que merece ser ‘visto’, pelo seu excelente padrão imagético, tanto na qualidade visual (direção de arte e fotografia impressionantes) quanto nas referências dos quadrinhos originais. Então, aí muitos me perguntariam: “Mas o filme é perfeito?” Bom, infelizmente, precisamos olhar para a alma do longa e discutir algumas falhas que impedem que eu responda: ‘Sim!’. 

Se eu afirmei que Spielberg fez um excelente trabalho visual, podem apostar que é verdade. O filme nos cativa pela qualidade da animação e pelo universo de referências que o departamento de Arte inseriu na tela. Desde ambientes imperiais e belos como o palácio em Bagghar e o próprio Castelo de Moulinsart, até ambientes mais intimistas e confortáveis como o apartamento de Tintim (excelentemente recriado e ambientado no universo do quadrinho) e o mercado de pulgas em Bruxelas. A primeira cena, em específico – após a bela abertura do filme – presta uma homenagem sem igual ao criador e criatura. Porém, Spielberg parece não ter notado algo singular na obra de Hergé. O cartunista contava a trama quadro a quadro, misturando muita ação e mistério com pausas recheadas de bons diálogos, aprofundamento de situações e momentos de mistério. E é exatamente aqui que o diretor comete seu erro ao contar a história. O filme substitui os quadrinhos ‘quadro a quadro’ de Hergé pelas grandes páginas inteiras de ação dos quadrinhos americanos atuais. A narrativa investe na ação desenfreada e possui ‘N’ clímaces durante a trama, mas infelizmente esquece de dar ‘pausas’ na história para que possamos descansar. Se com seu clássico ‘Indiana Jones’, Steven Spielberg intercalava muito bem as cenas de ação memoráveis com momentos de descanso, onde podíamos nos tornar íntimos daqueles personagens, conhecer seus hábitos, fraquezas e até mesmo rir com eles; aqui, isto não ocorre. Os diálogos no começo do filme, principalmente nos momentos em que Tintim começa a investigar o Licorne, soam até um pouco teatrais, mas perdem força quando a ação entra em cena. Assim, o clima de mistério policial a lá cinema noir e a aptidão investigativa do curioso jornalista, muito presentes nos quadrinhos, deixam de existir nesta produção, para darem lugar a perseguições de moto e tiros em demasia,  o que eu acredito ser o maior erro do roteiro e da direção. Deixados um pouco de lado também, estão os detetives Dupont e Dupond, que no filme acabam ficando um pouco mais ‘idiotas’ do que o normal, principalmente na cena em que estão no apartamento de Aristides Silk – que poderia muito bem ser um momento para enaltecer a fraca, mas existente, capacidade investigativa da dupla, como ocorre no material original. O ponto positivo acaba indo mesmo pra história oculta do Capitão Haddock, que rouba a cena (Grande Andy Serkis!) e nos emociona com seus problemas alcoólicos ligados ao fracasso e à sua triste história.

Aliás, devo reconhecer que na minha lista de ‘cenas memoráveis’, que faço todo final de ano, já escalei o “flashback” de Haddock no deserto. Sinceramente é a melhor e mais emocionante cena do filme e com certeza – junto com a perseguição ao falcão – entrará para o currículo das seqüências memoráveis de Steven Spielberg. Impressionante a forma como as grandes dunas do deserto vão se transformando em agitadas ondas do mar tempestuoso, onde surge o enigmático navio ‘Licorne’. Quando percebemos, já estamos em meio ao século XVII. A luta entre Rackham e Sir Francis tem ritmo e um jogo de câmera muito bem utilizado – ainda mais levando em conta a tecnologia em 3D, que no filme inteiro é de tirar o chapéu coco. É nesta cena que fica interessante olhar pra o lado no cinema e perceber como muita gente está de boca aberta, sem nem perceber. Uma seqüência formidável.

Encerrando o primeiro longa metragem mundial, o Tintim de Spielberg é um herói mais voltado a ação e menos ao clima de mistério e diálogos. Um jovem que parece estar mais preocupado – vide ultima cena – em recuperar tesouros escondidos, do que em conseguir uma boa história ou fazer justiça. De qualquer forma, o filme funciona perfeitamente como um bom entretenimento. Sadio, divertido e disposto a prender a atenção a cada segundo que passa, deixando sempre um suspense para o que poderá acontecer. Se você é um fã frenético pela obra original, abra bem sua cabeça para ir aos cinemas; mas se você nem sequer conhece Tintim, ou se sabe pouco sobre o personagem, pode ir tranqüilo que o filme que te espera é uma maravilhosa surpresa, repleto de bons momentos. Resta aguardar a continuação e torcer para que Peter Jackson possa melhorar ainda mais o universo rico deste querido personagem, trazendo um filme à altura da band dessiné de Hergé.

Texto do leitor David Ribeiro – Crítico de Cinema e Editor-chefe do programa Cineclaquete.

Obs. 1: A distribuição brasileira continua deixando a desejar. Primeiramente pela péssima data de estréia. Em segundo lugar, por pecar tanto em não traduzir os letreiros do filme (incluindo manchetes de jornais e detalhes importantes para trama (“à prova de bala”, por exemplo)  e os créditos iniciais (como aconteceu em todo resto do mundo), quanto em não inserir o subtítulo do filme: “O segredo do Licorne”. Talvez isso nos faça esperar da Sony Pictures uma seqüência chamada,  por exemplo: “The Adventures of Tintin: The Calculus Affair”, no Brasil ser traduzida apenas como: “As Aventuras de Tintim 2”. Sinceramente, ridículo.

Obs. 2: O trabalho de dublagem está bem feito, mas novamente faltou um capricho da tradução em respeito ao material original. Além de, claro, a falta que alguns dubladores nos fazem. Sei que não podemos alterar nada do que já aconteceu, mas talvez a distribuição brasileira e os estúdios pudessem ter um pouco mais de consideração com o público, que tanto esperou pra conferir este filme. 
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2 comentários:

  1. Discordo da crítica, o filme manteve toda a aura dos quadrinhos, como deve ser uma adaptação cinematográfica. São linguagens diferentes e os preciosistas sempre poderão reler seus álbuns.

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  2. Concordo plenamente com o autor do artigo!
    O filme poderia ter sido mais "fiel" aos quadrinhos, mantendo os traços característicos de Hergé!
    Achei um excelente filme... e... assisti com excelente companhia hehe...
    Até mais!

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