21 novembro, 2009

A Evolução da Alfa-Arte I

Você vai conhecer, a partir de agora, as inspirações, as adaptações, as modificações e curiosidades - desde o começo até os dias atuais -, tudo que está por trás deste que seria o último álbum de Hergé, Tintim e a Alfa-Arte.

Como tudo começou...

Em 1976, poucos meses após a publicação do Tintim e os Tímpanos, Hergé contou ao jornalista e escritor Numa Sadoul que já estava planejando a próxima aventura de Tintim. A princípio, o cartunista belga desejava contar uma história inteira em um mesmo cenário: o saguão de um aeroporto. A ideia logo foi abandonada e, dois anos depois, ele decidiu criar uma aventura tendo como plano de fundo o mundo da arte moderna. Durante seus últimos anos, Hergé estava cada vez mais interessado em arte moderna, chegando a fazer disso um hobby, então não era de se espantar que escolhesse a arte de vanguarda para integrar sua nova história.

Inspirações

Seguindo o caminho de outras obras do autor, Tintim e a Alfa-Arte teve inspirações em alguns casos e pessoas reais. Para contar a história do suposto mago Endaddine Akass e seu comparsa, o falsificador Ramo Nash, Hergé se lembrou de um caso que ganhou destaque na década de 60: Fernand Legros (1931-1983), comerciante de arte, vendia as falsificações do artista húngaro Elmyr de Hory (1906-1976) a galerias do mundo inteiro. Para enriquecer a trama, o autor incorporou um segundo elemento: uma seita e um falso guru.

Martine Vandezande, a moça que trabalha na Galeria Fourcart, parece ter sido baseada na aparência da cantora grega Nana Mouskouri. Seu sobrenome parece ter sido retirado do nome de uma editora, "L'imprimeur Vandezande", que publicou um calendário de Tintim em 1946.

Como você já viu aqui, outra personagem que teve inspiração na vida real foi a Sra. Laijot, que aparece na página 21. A velha rabugenta que trabalha na contabilidade da Galeria Fourcart foi baseada numa colaboradora de Hergé de personalidade igualmente forte, a colorista Josette Baujot, falecida em agosto deste ano (saiba mais aqui).

O que revelam os esboços

Uma das ideias de Hergé para a nova aventura era trazer de volta o vilão Rastapopoulos (que fora abduzido por alienígenas em Voo 714 para Sidney), mas segundo Harry Thompson, ele desistiu da ideia em 1980, quando introduziu o elemento "alfa-arte" - a arte com o alfabeto. Ainda assim, existe uma suspeita de que o vilão Ramo Nash, ou seu cúmplice Endaddine Akass, possa ser Rastapopoulos em mais um de seus disfarces - vale lembrar que ele já havia feito isso, em Perdidos no Mar, quando usou o nome de Marquês de Gorgonzola.

Analisando os diferentes esboços, é possível ver que as cenas no Castelo de Moulinsart foram reduzidas, talvez em favor do equilíbrio da história. No manuscrito original, Tintim, Milu e Haddock não vão para Ischia até a página 31.

Outra característica interessante em Tintim e a Alfa-Arte é o destaque que se dá a Martine Vandezande. Ela é uma das poucas mulheres a ganhar mais espaço num álbum, e a única (além de Castafiore), a ter mais de 5 falas em toda a série de histórias de Tintim. Além disso, a cena que envolve a Sra. Laijot foi marcada para um possível corte - isso é indicado pela inscrição "20 bis" no manuscrito original, o que significa uma página 20 adicional.

Hergé trabalhava intensamente na criação de Tintim e a Alfa-Arte. Mesmo doente, não deixou de rabiscar, escrever e desenhar aquele que poderia ser o último álbum de seu mais célebre personagem. Hergé só conseguiu chegar até a página 42, e seu último quadrinho esboçado mostra Tintim sendo levado por um dos vilões, que diz: "Agora ande! Chegou a hora de transformá-lo num 'César'...".

Muitos acreditam que o objetivo de Hergé era literalmente colocar um ponto final em Tintim - o autor teria, aparentemente, brincado com um amigo a este respeito. Mas a julgar pela página onde acontece a cena (42), é fácil concluir que não era esse seu objetivo, ainda havia muita história para se desenrolar (já que os álbuns de Hergé têm em média 62 páginas). Vale lembrar também que inúmeras vezes o heroi esteve à beira da morte, mas sua sorte peculiar sempre aparecia nas horas certas. Endaddine Akass ser mais um disfarce Rastapopoulos, o eterno inimigo de Tintim, também é incerto. Não só por ele ter "sumido" na aventura anterior, mas também pela falta de qualquer semelhança física com o mago. Se Tintim e a Alfa-Arte seria realmente a última aventura de nosso destemido repórter, nós nunca vamos saber, porque esse segredo foi guardado até o fim por Hergé.

Hergé morre - o que fazer com o álbum inacabado?

Com a morte de Hergé, em março de 1983, surge a questão: o que fazer com o álbum, já que não foi finalizado pelo seu autor - deve ser concluído, publicado em sua forma atual, ou simplesmente esquecido?

Bob de Moor, principal assistente de Hergé, mostrou interesse em concluir o livro, bem como Edgard P. Jacobs, amigo do autor. Ambos haviam trabalhado com Hergé por mais de 20 anos. Desde 1951, De Moor era responsável pela direção dos estúdios Hergé em sua ausência. Ele esteve envolvido na adaptação do desenho animado Tintim e o Lago dos Tubarões para os quadrinhos, colaborou com Hergé na criação de seu último álbum, Tintim e os Tímpanos, e podia imitar o traço do mestre como ninguém. Assim, tanto a Casterman, editora de Tintim na França e na Bélgica, como Fanny Remi, viúva de Hergé, concordaram com a conclusão da obra. Como o roteiro precisava ser concluído, e sofrer alguns ajustes em determinadas partes, De Moor pensou em chamar Greg, que já estava familiarizado com o universo tintinesco.

Depois de alguns meses, porém a sra. Remi teria sido convencida por Benoît Peeters, um dos maiores conhecedores da obra de Hergé, que De Moor não seria a esolha correta para os trabalhos sobre o álbum. Além disso, havia o fato de o próprio Hergé, mesmo reconhecendo que seus colaboradores estavam ainda mais talentosos do que ele, declarou publicamente que só ele poderia dar vida ao personagem - "Tintin c'est moi!", exclamou. Por isso, Fanny Remi voltou atrás, deixando Bob de Moor frustrado.

A essa altura, os fãs de Tintim já sabiam sobre o álbum, e esperavam uma resposta. Apesar de não ter completado o álbum, Hergé deixou cerca de cento e cinquenta páginas de esboços a lápis. Foi aí que a Casterman decidiu publicar um livro contendo aqueles esboços.

Uma equipe de especialistas foi convocada para o trabalho de edição, dentre estes Michel Bareau, Jean-Manuel Duvivier e Benoît Peeters. Eles selecionaram as páginas que formavam uma narrativa mais coerente. Peeters decidiu deixar de lado a página que revelaria a verdadeira identidade do vilão Endaddine Akass - a fim de criar o mito que Hergé teria levado esse segredo para o túmulo.

Em 1986, o álbum foi lançado: o resultado era um livro de quarenta e duas páginas de esboços, acompanhado de um folheto com as falas dos personagens. Apenas as três primeiras páginas eram compreensíveis, já que foram as únicas a passar de um simples esboço a um rascunho mais elaborado.

Das páginas 4 a 42, era possível conferir desenhos num estado ainda muito primário, complicado para o leitor comum. A maioria dos fãs ficou desapontada com o resultado, primeiro por causa do preço muito mais elevado do que outros álbuns, e também pela qualidade do conteúdo - o roteiro era completamente inconsistente e o final frustrante.

Todos querem sua própria versão...

Com a decepção causada pela primeira versão oficial do álbum, várias pessoas decidiram fazer sua própria conclusão da história. Algumas apenas para ganhar dinheiro nas costas dos fãs frustrados, outras simplesmente pela paixão. Na segunda parte do nosso especial, você vai conhecer algumas dessas versões, além de outras curiosidades sobre a evolução da Alfa-Arte...
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4 comentários:

  1. Parabéns, Britto... E obrigada. A primeira parte ficou ótima!
    Aguardo ansiosamente pela segunda!!!

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  2. Puxa! Muito interessante, Britto.
    Meus parabéns, a primeira parte ficou realmente ótima!
    Gostei muito de conhecer o último quadrinho desenhado por Hergé e as inspirações para alguns personagens.
    No aguardo da segunda parte, que tenho certeza será tão bacana quanto a primeira.

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  3. Valeu, Britto, adorei a primeira parte do especial! Espero que a segunda chegue logo, curto muito essas curiosidades sobre Tintim!

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  4. Ótimo especial!
    Quando sai a segunda parte mesmo?

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